A Relativização da Iniciativa

Apenas um devaneio sobre esse conceito estrutural da nossa sociedade .

Lucas Teodoro
4 min readAug 28, 2021

Primeiro, vamos nos colocar em uma situação simples, cotidiana e que a maioria das pessoas já passaram ou conhecem alguém que já passou, se imagine em um ambiente com algumas pessoas, pode ser passeando por um shopping ou simplesmente fazendo compras no supermercado, de repente de longe você avista uma pessoa que já foi uma conhecida porém por algum motivo ambos não se falam mais ou perderam o contato. Vocês trocam apenas olhares e mais nada, os dois indivíduos se reconhecem porém nenhum deles quer iniciar um diálogo, de certo modo nenhuma das pessoas é obrigada a iniciar um diálogo, entretanto, na primeira oportunidade a primeira pessoa diz para uma outra que encontrou determinada pessoa e que ela nem sequer a cumprimentou.

Pois bem, oque esse primeiro indivíduo não sabe é que existe a possibilidade desse mesmo diálogo ter acontecido com o segundo indivíduo e sua aparente “frustração” o impede de analisar a situação de outro modo a não ser “aquela pessoa me ignorou”. Não devemos comprimir as frustações de nenhum dos indivíduos, porém, porque os envolvidos sempre desejam a atenção e mesmo assim nunca tomam a iniciativa?

Nos contextos atuais como sociedade sempre esperamos algo mais e geramos expectativas sobre as outras pessoas, expectativas que surgem de dilemas internos, filosóficos e algumas das vezes com certa porção adjacentes de uma moral egoísta. Do ponto de vista psicológico isso é até que comum em diversos tipos de relacionamentos entre pessoas, a própria ideia da projeção instituída por Freud que diz que o ato de projetar sentimentos, emoções, desejos ou expectativas em outra pessoa ou situação é um mecanismo de defesa que tem por finalidade preservar o físico, o psicológico e o ego.

Um humano cujo ego é ferido pode ser capaz de fazer coisas além de qualquer compreensão, um impulso primitivo que uma vez se encontrava descansando no fundo de seu consciente, agora é uma fera e está pronta para ser reparada custe oque custar. SunTzu decapitou duas mulheres por ter seu ego ferido, afinal, quem seria capaz de desdenhar de suas habilidades como um exímio general de guerra? Júlio César foi assassinado por seus adversários por apenas desprezar das opiniões, já que os assassinos não tiveram motivos políticos e agiram pelo orgulho ferido. Elizabeth Bathory aprisionou e matou dezenas de mulheres por acreditar que ficaria mais bonita.

Assassinato de Júlio César — Hamlet

“O amor desmesurado por si mesmo é a causa de todas as culpas dos homens”

Platão

O egocentrismo te coloca em um pedestal onde você e mais ninguém é capaz de ocupar aquela posição e tudo que ameaçar chegar perto será repelido e a partir do momento que ignoramos o fator social que somos humanos dependentes uns dos outros e que desde os primórdios éramos uma espécie que trabalhava em coletivo, chegamos a uma ilusão. Mas infelizmente essa ilusão, onde nós suprimos o ego e devemos somente esperar do próximo uma iniciativa seja ela qual for porque nessa visão deturpada já somos completos por si só, e realmente um parte das pessoas são autossuficientes, mas as mesmas já abriram mão da aprovação e da delegação da iniciativa. Sabendo disso, a ilusão de ser autossuficiente é tão perigosa quanto o ego ferido, já que o indivíduo vai buscar justificar atos embasando-se apenas em projeções à terceiros, o egoísmo moral, que segundo Kant seria restringir tudo e todos os fins a si mesmo.

Empatia é fundamental e saudável para ambas as partes, não seria atraente a ideia do ego em mais pura instância tomando conta do indivíduo. Dado um universo tão grande, por qual motivo nos limitamos a tal ponto? Nos cercamos de expectativas formadas pelo egocentrismo disfarçado de frustração e acabamos por afastar as pessoas formadas por uma moral altruísta, mas não necessariamente isso implica em um “Olá!” durante a ida ao supermercado mas sim a baixa expectativa que lhe devem um cumprimento.

Todos odeiam conviver com pessoas egoístas em síntese, e isso é um fato, ou algum de nós escolheria conviver com Sêneca e Marco Aurélio por Schopenhauer e Nietzsche? O reconhecimento de que somos humanos imperfeitos em um mundo com dia e hora marcada para o seu fim, faz tudo parecer tão simples quanto uma situação hipotética em um supermercado, e uma coisa simples já nos causa estranheza e frustração a ponto de uma ida ao supermercado ter o potencial de virar um evento contado a um terceiro, a mente humana por mais complexa que seja sempre esquece do essencial, do simples, que para confundi-la basta se lembrar ao cumprimentar uma pessoa de que ela é mortal assim como você.

“Homem feliz é aquele que nada deseja, que nada teme, graças à razão”

Sêneca

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